tag:blogger.com,1999:blog-21165069224848200632024-02-08T03:03:52.108-08:00BORLINANDOHenrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.comBlogger13125tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-85752924265348903082013-01-23T05:44:00.002-08:002013-01-25T02:34:53.645-08:00<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: center;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">O SUCESSOR<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: center;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;"><o:p> </o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">Elegeu-se prefeito. Diplomado, estranhou
a ausência do antecessor na posse. No dia três do primeiro mês do mandato
chegou ansioso à prefeitura. Um homem veio abrir a porta. Pediu que entrasse,
cumprimentando o prefeito pela eleição e desejando-lhe sucesso na gestão da
cidade.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">A prefeitura estava vazia e silenciosa,
mas achou por bem não comentar nada ao homem que mostrava ao prefeito o caminho
do gabinete como se não conhecesse; afinal, pensou que estivesse chegado muito
cedo para as atividades.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">Caminhou por passos lentos, seguindo o
funcionário. As paredes escuras do corredor o espreitavam. A sala onde antes
havia a recepção estava desocupada. No chão, os fios soltos do sistema de
telefonia.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- O gabinete é ali, doutor! – disse o
homem indicando a porta escura e fechada à sua frente. – Pode entrar, não está
trancada. Levaram embora a maçaneta.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">Empurrou a porta devagar. Estendeu o
braço para alcançar o interruptor. O homem adiantou-se.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Não há luz. Está cortada faz tempo.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">E foi puxando uma a uma as lonas escuras
que cobriam as vidraças do gabinete.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">Não havia móveis algum na sala. Nem
mesa, nem computador, nem telefone, nem armários. Apenas uma cadeira com os
estofados esturricados fora deixada para trás.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Deixaram apenas a cadeira – disse o
prefeito com a intenção de aproximar-se. O homem o deteve, segurando-o pelo
braço.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Cuidado prefeito, o buraco!<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">Sentiu um arrepio na espinha quando viu
o buraco no meio da sala e por pouco não caíra dentro.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Pensei fosse o desenho de um mosaico no
piso.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">Da beirada tentou enxergar o fundo, mas
a parede imunda foi escurecendo a medida que se aprofundava até mergulhar de
vez na escuridão do buraco.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Para que serve este buraco aí? –
perguntou o prefeito.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Não me disseram não senhor! Mas ele
está aí, do jeito que deixaram.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Pelo menos ficou uma cadeira – disse voltando-se
para o objeto deixado no canto. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Fosse o senhor, não sentava nela não!<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- E por quê? Preciso de um lugar para
despachar...<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Esta cadeira, doutor, é amaldiçoada.
Quem senta nela, nunca mais quer sair de cima...<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">O prefeito sorriu olhando novamente para
a cadeira. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">- Se der uma reformada, fica novinha em
folha!<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt;">E quando se voltou para o homem já não
estava mais ali. Tragado que fora pelo buraco.<o:p></o:p></span></div>
Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-60760416358492892582012-10-26T05:49:00.002-07:002013-01-23T09:20:52.616-08:00<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: center;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Dia
das Crianças<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: center;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">O dia das crianças
começou com o sol brincando na rua. O barulho das portas de aço sendo içadas
por um ferrolho a despertou. E arrastando os miúdos da sombra da marquise, um
agarrado ao peito e outro com o esqueleto estalando no chão duro, foram
aquecer-se sob o sol.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Enquanto o menor sugava
a mãe, o outro, de pé, observava a movimentação do comércio. Já sabia que era
dia das crianças. Por dias ouvia os carros de som que passavam anunciando a
data especial, via outras crianças saindo felizes das lojas com seus pais e
volumosos pacotes de presentes. Distraiu-se com o gordo comerciante do outro
lado da rua colocando para fora da loja a caixa de som que desde que saíram de
casa sob as ameaças do pai bêbado, tocava a mesma música.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">De repente a rua estava
cheia de movimento. A mãe encolhera as pernas para não atrapalhar os passantes
e estendera o lenço como salvas. De vez em quando uma moeda caía sobre o lenço
encardido. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Menino, não vá longe
– a voz fraca, em jejum.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Mamãe, quando o papai
vem buscar a gente? Ele não está demorando?<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Seu pai não vem mais,
agora vamos viver aqui até um anjo nos arrumar um lugar para ficar – e pousou
uma das mãos sobre o maxilar que, apesar de todo o tempo passado, ainda doía
como se estivesse apanhado ontem.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">O menor dormia nos
braços da mãe, alimentado.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Mamãe, quero ir para
casa! - e esboçou um choro truncado pela realidade.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Não comece. A gente
não pode voltar lá. Seu pai mata a gente! Vai brincar, vai! Quando juntar mais
algum dinheiro, compro um copo de leite.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">O menino então se
voltou para o meio fio da calçada procurando pelo chão algum objeto que o
divertisse. Encontrou uma bolinha de papel e começou a chutá-la. O comerciante
anunciava a queima do estoque de brinquedos naquele último dia de oferta, afinal
já era dia das crianças. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Um dia vou ter uma
bola de verdade, mamãe?<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Quem sabe um dia um
anjo não lhe dê uma de presente – disse desconcertada.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">O menino suspendeu o
chute no ar, franziu a testa, arregalou os olhos famintos.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Mãe, o que é anjo?<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">A mulher riu. Como
explicaria ao filho de três anos o que era um anjo? Arriscou-se.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Anjo, é um homem de
asas que vem do céu.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Depois de algumas horas
o menino ganhou um copo de leite e um pão, tomados na padaria. A mãe retornou
com os meninos sob a marquise. O sol guardava seus brinquedos. O comércio
cerrava suas portas. Um cachorro abandonado do meio da rua observava a mulher e
os filhos. E então uma perua velha aproximou-se devagar. O menino já estava
encostado na pedra morna da parede, sentado ao chão, quando viu o veículo. Não
era carro novo. A perua estava toda remendada, o para-choque amarrado com
arames e tiras de tecidos. O escapamento soltava uma fumaça negra e espessa. O
motor estalava em soluços.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">A perua foi estacionada
diante do menino, do outro lado da calçada. Um homem desceu. Vestia uma calça
surrada e uma camisa, de tão desgastada dava para ver o corpo. A sandália de
couro surrada arrastava no chão fazendo barulho. O homem tinha dificuldade para
andar. O menino observava tudo isso e nem notara que o velho trazia um pacote
colorido em uma das mãos. E uma bola de plástico multicolorido na outra.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Quando se deu conta, o
menino estava com a bola sob o braço. E sua mãe desembrulhava o pacote onde
havia outros brinquedos. De repente a mãe encontrou um saquinho plástico com
duas caixas laminadas cheias de comida. Ao levantar a cabeça para agradecer ao
homem, já não estava mais ali.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Este homem é um anjo!
– disse a mãe, aliviada.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">E o miúdo, lembrando-se
do que a mãe lhe ensinara, olhou para o céu procurando os vestígios. Nem uma
pena havia se soltado. Então se virou para a rua e pôde ver a perua engazopando,
soltando fumaça, até que sumiu na esquina. E quando não se ouvia mais os
estalos do motor... <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Mamãe, porque não
pediu uma casa para ele? <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"><o:p> </o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-72973326963175208172012-10-26T05:47:00.001-07:002012-10-26T05:47:08.687-07:00
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: center;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">O SORRISO BOBO<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: center;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p> </o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">A
desgraça deixa compaixão por onde passa. E não precisa ser gigantesca para nos
arrebatar de piedade. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Dias
desses fui intimado para uma audiência. Tentativa de conciliação. Um casal
havia proposto ação de modificação de guarda contra meu cliente. O casal eram
tios da criança. O pai, meu cliente, estava preso por assalto, latrocínio e
mais uma infinidade de outros maus feitos. Por conta da prisão fui nomeado
curador especial para defender seus interesses.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Todos
estavam no Fórum. O casal com a criança e a advogada que os representava.
Estava sozinho e já perdia a esperança de que o requerido viesse, quando o
camburão encostou. Escolta armada. O homem era violento, muitos crimes nas
costas, diziam. Folha corrida comprida feito papel higiênico. Transferiram-no
para cadeia do Fórum até que o juiz determinou se instalasse a audiência.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Estávamos
sentados ao redor da mesa quando meu cliente entrou na sala, puxado pelo braço
por um guarda impaciente, enquanto o outro o acompanhava os passos com a mão
sobre o coldre.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">O
homem estava algemado. E os pés acorrentados de modo que andava arrastando os
chinelos. Vinha de uniforme laranja do presídio e um sorriso bobo. Os olhos
faiscavam de felicidade. A menina desvencilhou-se dos braços da tia e correu
para o lado do preso que balançava seus guizos. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Enquanto
a menina corria, notei que o preso tinha o dente da frente quebrado, meio de
quina, o que lhe dava uma expressão abobalhada.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">O
homem finalmente sentou-se ao meu lado com a filhinha entre as pernas.
Cumprimentou-me com o mesmo sorriso ingênuo que abriu ao ver a filha correr em
sua direção. Depois cumprimentou a irmã e o cunhado; e por fim, a advogada.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">O
juiz o interrompeu para esclarecer o porquê havia determinado sua presença. O
preso concordava com o que o juiz lhe falava e notei que estava sinceramente
feliz por estar ali. O magistrado então mandou o escrevente redigir o termo e
retirou-se da sala. Os guardas relaxaram a postura. Um deles, inclusive,
debruçou-se sobre os cancelos que separava o juiz dos jurisdicionados,
observando o preso brincando com sua filha, que curiosa perguntava por que o
papai estava com aquelas pulseiras.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">O
escrivão, percebendo a ternura do momento, deixou-se demorar um pouco mais na
redação do termo de audiência. O preso concordava em transferir a guarda da
filha para a irmã e o cunhado.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">-
E a mãe da menina? – perguntei-lhe.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">-
Sumiu doutor. Abandonou a menina comigo ainda bebê, e caiu no mundo. Coisa mais
triste, né, doutor; a mãe abandonar a própria filha – e abriu aquele sorriso
bobo, fixando em mim o olhar puro dos cães de rua. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Assinamos
o termo e os guardas voltaram a arrastar meu cliente para a cela. Mas antes de
deixar a sala, com o mesmo riso nos olhos, agradeceu:<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">-
Obrigado por me dar este momento feliz.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Aquela
tarde, saí mais leve do Fórum. E por muitos anos vou me lembrar do sorriso bobo
daquele homem, do olhar puro e inocente como o dos cachorros. E esta lembrança
me ajudará a manter a fé na humanidade.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p> </o:p></span></div>
Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-92011122111206584942012-02-01T09:51:00.000-08:002012-02-01T09:51:30.916-08:00O CONFINAMENTO<span style="font-family: Arial;"> <div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Garamond", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Bastou o pombo pousar no duto do ar condicionado para me descobrir um homem confinado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Garamond", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Há muito programas de televisão mostram a vida de pessoas confinadas, sejam em ônibus, casas, apartamentos, fazendas ou prisões propriamente ditas.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Garamond", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Os programas pontuam extraordinária audiência injustificada pelo conteúdo apresentado. Justificada, entretanto, pela simbiose inerente a casa pessoa; sem desmerecer a curiosidade sobre a vida alheia, mas por se encontrar como igual confinado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Garamond", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Sem participar de um reality show, estamos todos confinados. Confinados entre quatro paredes no décimo terceiro andar de um edifício, onde trabalhamos. Estamos confinados diante da tela do computador, sem ouvir a chuva ou sentir o vento escorrer pelo rosto. Somos confinados pela preocupação do dia a dia. Pela moeda instável, pela inflação dando o ar da graça, pela violência no lado de fora. Quando não, somos confinados dentro de nossos carros em meio à balbúrdia de um trânsito caótico. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Garamond", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Estamos presos, isolados pelo conhecimento de massa, enlatado, que a cada segundo nos é empurrado goela abaixo, sem tempo para digeri-lo ou degustá-lo. Não temos tempo de formar opinião própria e somos atropelados por outra informação que sobrepõe àquela; que por sua vez será contestada por outra em seguida.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Garamond", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Não concorremos a qualquer prêmio milionário. Nem temos nossa figura exposta em tudo quanto é meio de comunicação. Nem chamamos atenção em nosso humilde confinamento.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Garamond", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 150%;">O pombo arrulhou atrás do ar condicionado. De repente lembrei-me da vida lá fora. Não contive o desejo de descer os treze andares que me afastavam do chão. Passei pela portaria às pressas. Ganhei a rua. Vi os pássaros brincando solitários nos bancos vazios de um jardim próximo ao prédio. O vento forte despenteou-me. Senti intensa felicidade ao ver as flores do ipê despregando de seus galhos. Uma chuva de flores na tarde abandonada. O sol reanimou minha pele fúnebre de escritório. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Garamond", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Na vida, quem é expulso do confinamento é quem vence.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><br />
</div><span style="font-family: "Helvetica Neue", Arial, Helvetica, sans-serif;"></span></span>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-39613924772284948532012-01-18T11:52:00.001-08:002012-01-18T11:52:45.186-08:00O DIA NUBLADO<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: Arial;">O dia nublado merece ócio. E há dois dias, não vejo o sol. A cidade parece mais calma. Os elevadores do prédio vazios. O trânsito de poucos carros lentos. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: Arial;">O dia nublado é prelúdio à preguiça. Trabalho rápido pela manhã com o fiapo do sol. Depois do almoço, com o tempo fechado, leio alguns textos. Navego displicente na internet, temeroso que o capitão cochilasse.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: Arial;">Nenhuma notícia chama atenção. Os emails estão congestionados. O último foi de dois dias atrás quando o sol ainda respirava. Como advogado, o primeiro compromisso do dia é checar as intimações, que recebo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">on line. </i>As intimações vieram. Mas vieram descansadas, adormecidas nos autos. Sem necessidade da manifestação. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: Arial;">Nesta tarde nublada nada acontece. O telefone que pela manhã gritava desesperado por atenção, agora repousa em calma, recarregando as baterias. O cliente agendado liga desmarcando o compromisso. Um susto. O telefone morto dando sinal de vida. Fico numa felicidade triste e prossigo na minha contemplação do tempo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: Arial;">O dia nublado é quieto. Não há a barulheira das buzinas na rua. Nem as conversas amistosas, nervosas ou misteriosas nos corredores. Todos estão com o silêncio colado à boca.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: Arial;">O dia nublado não quer nada da gente. E a gente também não quer nada. O dia nublado espera, no ventre, a chuva.</span></div>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-84324170044321994412012-01-11T09:18:00.000-08:002012-01-11T09:18:28.072-08:00TUDO FAZ SENTIDO<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">Sempre perguntei a mim mesmo o porquê dessa coisa de escrever. É como se, ainda no berço, o percevejo literário esperasse na espreita a oportunidade de me ferroar. E ferroou de jeito, que nem a realidade dura, nem o limite do portão de casa, me impediu de alçar grandes voos literários. Pelo menos na minha cabeça, na imaginação. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Porque escrever mesmo, só veio mais tarde. Na época em que fui mordido só conseguia morder a madeira do lápis, encher fraldas e babar. Uma imaginação limitada pelas grades do berço, mas uma imaginação onde ursos voavam rodopiando sobre minha cabeça. Limitada até que num Natal qualquer meu pai chegou com pernas de presente. Não que não tivesse as minhas, mas eram bambas de tal forma que não fosse meu pai arrastar-me pelo dedo, não teria deixado a cama. E é engraçado que até hoje meu pai precise arrastar meu irmão de 36 anos para que deixe a cama. Mas esta é outra história.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">E afinal, quando comecei a andar comecei a conhecer coisas. Imaginar muito mais. De repente minha avó era o xerife que nos amarrava ao pé de uma árvore exigindo silêncio. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">- Não aguento mais, acode aqui Bastião – e meu avô com o chapéu panamá ajudava a amarrar a gente.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">E se não nos amarrasse ao pé da mesa, nós três botaríamos fogo na casa e seríamos lançados ao espaço sideral antes mesmo que minha avó conseguisse terminar o almoço.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">O laboratório de fotografias de meu pai era um imenso centro de pesquisas científicas de onde, por pouco, meu irmão mais velho não inventou o primeiro computador, desbancando Bill Gates e Steve Jobs. Ou seria aquela sala um submarino com a luz de emergência vermelha acesa no canto? </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">E quando então aprendi subir em árvores, antes dos seis anos, que fique dito, furtávamos facas (se alguma criança estiver lendo esta crônica, prefira as facas sem pontas, de corte cego, para sua segurança) do armário da cozinha. E com o instrumento preso no elástico do calção, sem camisa e descalço, subíamos no pé de sete-copas. E de repente aquela árvore robusta e solitária na fachada da casa era a floresta, com onça, macacos e cobras. E a torneira aberta fazia o rio, com suas águas ferozes, saídas dos olhos da serpente. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">Algum tempo depois ouvia meu pai reclamando da conta de água. Por que havia subido tanto? Mal sabia do tanto de água necessária para se criar um rio revolto. Mar eu não era capaz de imaginar. Ainda bem. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">Por que escrevo? E a resposta me leva de volta à casa de minha infância, à cidadezinha onde o charreteiro espera paciente que o sinal verde do semáforo se abra. E enquanto espera traz versos na cabeça como se no colchão dele também houvesse aqueles insetos benditos. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">Então quando chego em casa. Na casa aonde vivem meus pais, vejo minha mãe atarefada com as panelas, construindo castelos de pavê, coliseus de manjar, muralhas de carne assada empoeirada com farofas douradas, fortalezas de arroz. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E minha mãe serve à mesa sua obra trabalhosa e ficamos felizes em volta do prato.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 3cm;"><span style="mso-bidi-font-family: Arial;"><span style="font-family: Arial;">Por que escrevo? E a resposta está ali, nos olhos esverdeados de minha mãe enquanto serve a mesa. Escrevo para distribuir felicidade.</span></span></div>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-69874202618969368052011-08-26T05:59:00.000-07:002011-08-26T05:59:11.642-07:00A GATA<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">O casal empolgado na hora do amorzinho da madrugada.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Mia! – ordenou o rapaz no silêncio da escuridão, tão alto que fez tremer o bloquinho de apartamentos.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Mia! – a voz pedregosa despertou o sono tranquilo dos velhinhos. E seguiu o choro assustado de um bebê no andar de baixo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Mia, gata! – a ordem se repetia de um lado do apartamento, ora de outro, seguido sempre do miado tímido da moça.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Depois, ligado um chuveiro, cessou o miado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Na manhã seguinte, ao abrir a porta do apartamento rumo ao trabalho, a moça encontrou na soleira da porta uma vasilha com leite e um punhado de ração deixado numa latinha.</span></div>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-47770147404555067962011-08-25T13:06:00.000-07:002011-08-25T13:06:35.723-07:00PENSÃO ALIMENTÍCIA<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";"></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";"></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">No escritório a mulher desabafa:</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Aquele desgraçado, doutor, bandido, está devendo pensão alimentícia vai mais de ano. Jéssica tira a mão daí! </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Enquanto a mulher recupera as canetas do advogado das mãos da filha, o advogado esforça-se para prestar atenção ao relato. A menina começa a chorar. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Quero aquele bandido preso. Neste país, sei: só quem deve pensão vai pra cadeia.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Podemos tentar um acordo... – tenta contemporizar o profissional.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Não, doutor. Quero ir até o fim. Onde já se viu. Não pagar nunca a pensão. Cala a boca, Jéssica. Não quero ouvir um pio.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">O advogado colhe alguns dados, faz alguns apontamentos. A menina, finalmente, aquieta-se com um papel e uma caneta. Começa a rabiscar deitada no chão. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- O processo vai levar alguns meses. A senhora terá que ter paciência... </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Eu tenho doutor, só quero que aquele desgraçado pague o que é de direito. Só isso, doutor.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">-<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>...mas ele, o pai da criança, terá que pagar todas as atrasadas e as pensões que vencerem no transcorrer do processo. A senhora não vai perder nada. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Colhida a assinatura na procuração. Despede-se.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">O advogado trabalha meses no caso. O pai da criança, esperto, muda de endereço para não ser encontrado nunca. A mãe, ansiosa, quase diariamente quer saber do caso.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Doutor, o oficial de justiça encontrou o desgraçado?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Ele assinou o papel, doutor? O desgraçado vai dizer que não sabe assinar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- A menina passa vontade, doutor!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Calma – diz o advogado paciente. Citado, tem prazo para pagar. Se não pagar e não comprovar a impossibilidade, vai preso. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Passa alguns meses. Negada a justificativa do executado foi decretada sua prisão.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Muitos telefonemas e explicações para a mulher.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Como demora, doutor?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Ele não vai preso, não?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Falaram lá no bairro que ele é assim com os polícia. Ninguém vai prender ele não.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- O desgraçado, vai ver. Vai pagar tudo na cadeia. Deixar a menina passando fome desse jeito.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">O advogado recebe a notícia de que finalmente o executado foi preso. Envolveu-se em uma briga no bar. Puxaram a ficha. Tinha ordem de prisão. Ficou preso. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Dois dias e o pai da criança foi solto. O advogado viu no processo os comprovantes de pagamento do débito. A mulher sumiu do escritório. Nunca mais deu notícia. “O desgraçado quando se viu preso, arrumou dinheiro e pagou. Só assim mesmo” – pensa o advogado. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Num final de tarde o advogado encontra, por acaso, a mulher e a filha, pedindo nomeação de advogado no Fórum. O advogado puxa conversa:</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Trabalhão o pai da Jéssica nos deu, eim?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- É... -<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>disse meio sem graça, surpresa em encontrar o advogado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Ele pagou tudo direitinho? Porque a senhora está aqui?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Ressabiada, solta a língua devagar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Não doutor. Não pagou coisa nenhuma.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Como não? Vi os recibos no processo... </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Assinei os recibos para que tirasse ele da cadeia.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- E porque fez isso, se não recebeu...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Ah, doutor, ele é o pai da minha filha. Homem bom, honesto, trabalhador. Ficar preso com bandido? E quando vi preso, doutor, feito um passarinho na gaiola, magricelinho como ele só, não dei conta. Assinei logo o recibo como se tivesse me pagado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- E o que a senhora faz aqui no Fórum novamente?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Vim atrás de outro advogado. O desgraçado não pagou nem um tantinho de pensão. A menina e a gente com tanta precisão. Mas agora, doutor, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>quero aquele desgraçado preso...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><br />
</div>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-90527040699985094732011-08-01T11:19:00.000-07:002011-08-01T11:19:24.982-07:00DÓ?!<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Acorda com a gritaria dos pardais e a gargalhada do quero-quero. No banheiro escova os dentes e lava o rosto. Apanha a mochila sobre a cômoda. O beijo na mulher que ainda dorme. O afago na cabeça do filho no berço.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Na varanda o gato ronrona em sua perna. Antes de sair com a motocicleta depenada, acaricia a pelagem.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Na mochila o três oitão e o capuz. Se precisar atira no desgraçado, sem dó. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></div>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-35508121435575663012011-07-22T07:28:00.000-07:002011-07-28T15:00:56.119-07:00TUDO QUASE NA VIDA DO HOMEM<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Como Zé não conseguiu aquele emprego na prefeitura foi tratar de tentar a aposentadoria – pois, velho, acreditava somar tempo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Saiu cedo de casa. Madrugada. Pegou ônibus lotado. Desceu perto do instituto de previdência. No resto do caminho fez uma fezinha na lotérica que pegou abrindo. No jogo passado fez quatro pontos. Por pouco não ganhou.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">No instituto, a fila de trinta metros.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- Depois tomo um pingado! – falou consigo mesmo vendo a padaria do outro lado da rua.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">A funcionária gorda e mal humorada veio pela fila distribuindo ficha de atendimento.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">- A agência só atende 50 pessoas por dia.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Entregou ao negão à sua frente, com a perna fodida, a última senha.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">José trouxe aos lábios o sorriso bobo da decepção. Não foi desta vez, pensou. “Mas vou tomar o pingado”.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">Atravessava na faixa de pedestres. Distraiu-se com a buzina do velho pipoqueiro que fazia ponto do lado de fora do instituto de previdência.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;">No meio da faixa, um ônibus lotado, não viu Zé que atravessava.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 14pt; line-height: 150%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></div>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-86366552196412987982011-06-20T11:23:00.000-07:002011-06-20T11:33:47.166-07:00O TRABALHADOR E O ANJO<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;"></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">O homem chegou em casa e ralhou com o filho que remexia barro na rua esburacada com água do esgoto que corria a céu aberto por aquelas bandas. Há poucos dias havia retirado a criança da mãe através de uma medida liminar depois de o membro do conselho tutelar ter encontrado a criança em meio a sete pessoas, dentre as quais, estava a mãe da criança, que se reuniram naquela ocasião para fumar maconha e entornar litros de cachaça. Como era recente a presença da criança o homem ainda se adaptava às obrigações de pai: preparava comida, antes de sair, para o almoço do filho; e deixava sempre alguns litros de leite e bolacha de água e sal caso o filho passasse fome. No fim do dia, lavava-lhe as roupas e dava banho no menino. Neste dia entrou em casa logo após a criança correr para dentro, mesmo com as mãos e os joelhos sujos de barro. O homem colocou na cozinha, próximo ao fogão encardido, as ferramentas de trabalho, um embornal onde trazia a marmita com um resto de comida já fria, uma enxada, um folhão e o chapéu, que pendurou num prego colocado na parede para esta finalidade.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">- Sua avó chega daqui uma semana, seu moleque! Até lá, vê se se comporta feito homem!</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Estirou-se sobre o catre, sujo mesmo, vestindo os andrajos do trabalho e botinas.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">-Estou cansado – suspirou. Vê se não me enche o saco!</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">O homem fechou os olhos lentamente, abriu a boca, soltou os braços alinhados ao corpo, expirou uma lufada curta e abrupta. Não se mexeu mais.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">O menino espiou por entre as cortinas, que separava a sala do quarto, a calça puída e suja do pai e as botinas marrons que<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>ficaram para fora da cama. Ligou a televisão que ficava sobre uma mesinha num canto do cômodo. Assustou-se com o estrondo que<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>o aparelho deu ao ser ligado. Olhou mais uma vez entre as cortinas e as botinas do pai continuavam na mesma posição.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Abaixou rapidamente um botão para baixo, que sabia, diminuía o volume. E foi mudando os canais girando o maior dos botões que se destacava reinante no canto superior direito do aparelho. Girou duas ou três vezes até que a imagem de um desenho animado desbotado surgiu. O aparelho era em preto e branco.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">O menino sentou-se no sofá, e aos poucos, foi deitando-se escorregando lentamente. Virado de lado, com as pernas encolhidas, apoiava a cabeça com a mão direita.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Vez e outra o menino sorria. Chegou a gargalhar em uma das peripécias do desenho. Desviava o olhar e via as botinas do pai, imóveis. Depois de um tempo, de tanto olhar, pensou ver o pai mexer as pernas. E distraiu-se com um pedaço de palha de aço fixada sobre as antenas do aparelho para que melhor fosse sintonizado. O sono veio em seguida. O menino dormiu no sofá mesmo, nem banho tomou. O short e a camisetinha que vestia estavam respingados de lama. Chovia a tempo e a rua estava num barreiro só. Como se adaptava à nova vida, longe da mãe, passava o dia na rua, em frente da casa onde observava outras crianças jogando futebol com uma bola encardida, feita de<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>meia. E outros dois menores que disputavam uma partida de biroca. O menino correu pela rua o dia todo. Portanto, pegou no sono facilmente.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Acordou com o estrondo de um trovão que ecoou depois que um relâmpago iluminou todo o barraco. O televisor estridulava e o menino abriu os olhos para ver na tela a imagem toda quebrada como se fosse um formigueiro.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Sentou-se no sofá. Bocejou e limpou os olhos com as costas das mãos – os dedos estavam sujos. Olhou para o quarto do pai e na escuridão definiu as botinas para fora do catre. Pulou do sofá e dirigiu-se até o quarto. Passou esbarrando pelas cortinas. A mão esquerda passeando levemente pelo beiral da cama enquanto a contornava e rumava para a própria cama posta ao lado. Subiu com dificuldade em sua cama. Tentou visualizar o rosto do pai na escuridão do quarto. “ Pai” – chamou baixinho. “ Pai” – repetiu sem resposta. Encostou a cabecinha no travesseiro. Continuou observando o pai até que viu um pequeno brilho nos olhos semicerrados e da mucosa pastosa que se alojara no canto da boca aberta. Novamente adormeceu.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Acordou com o sol queimando a telha do barraco. A luz entrava por todas as frestas. Na sala a televisão anunciava as notícias da manhã. A chuva cessara lá fora e o sol quente sugava as últimas poças formadas nos terrenos irregulares. O menino chamou pelo pai. “Pai! Papai! Tô cum fome!” – esperou a resposta. Pulou da cama, aproximando-se do pai e cutucando-lhe o braço com a ponta dos dedos chamou outra vez. “Acorda, papai! Tô cum fome!” Sem resposta dirigiu-se à sala. A repórter apresentava a previsão do tempo: muito calor e pancadas de chuvas isoladas. O menino girou o grande botão da televisão. Várias vezes até que encontrasse um desenho animado. E então foi para cozinha. Debaixo da pia havia uma caixa de leite e pacotes de bolacha. Não havia geladeira. Como não sabia manusear faca ou tesoura, levantou a ponta da caixa de leite e tentou rasgá-la no dente. Não conseguiu abri-la e logo desistiu. O pacote de bolacha era mais fácil. O plástico que o envolvia era mais fino e sempre tinha uma linguetinha onde enroscar o dente e puxar. A caixa não tinha, não. Depois de comer duas bolachas sentou-se no sofá de frente a televisão com a caixa de leite no colo. Enquanto assistia ao desenho roeu um dos cantos da caixa até perfurá-la e dali mamou o leite que vertia devagar, enrolando os cabelos com uma das mãos e os olhos vidrados na animação dos desenhos. </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Verteu pouco menos que um terço da caixa de leite. Com olhos na televisão colocou a caixinha no chão de cimento. Levantou-se devagar e voltou-se ao quarto onde estava seu pai.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">- Papai, quero fazer cocô! – apoiou as mãozinhas nos braços estirados do homem com as carnes frias à sua frente. Papai?! Virou-se emburrado e saiu do quarto. Geminada à cozinha, separada por uma porta improvisava com ripas, lascas de madeiras e restos de latas abertas e amassadas, estava o banheiro. Pouco mais que um metro quadrado, a latrina ficava quase que embaixo de um chuveiro de lata adaptada em um balde que era suspensa por uma roldana e corda até à altura de um adulto. O menino arriou o calção encardido e agachado evacuou. Olhava as paredes caiadas do banheiro. O piso áspero de cimento. O buraco no chão onde caíam os dejetos. No canto, a água parada providenciava o bolor da parede. Esvaziado, o menino levantou-se, abrupto, suspendendo o calção arriado até às canelas, sem se limpar.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Voltou para o quarto onde estava o pai. Uma pequena fresta na janela por onde um feixe de luz solar passava servia-lhe para espiar a rua. Outros meninos já tomavam conta da rua. Alguns corriam alegres pulando os restos de poças que a chuva formara, e que, agora, o sol secava. Outros jogavam biroca observados por outro, que mais distante, soltava pipa feita em jornal e hastes de bambu. A rua ganhava a vida matinal enquanto o menino, na penumbra do quarto, acompanhava o movimento. Logo enjoou. Virou-se sentado na cama. Uma lagartixa cortou a parede do quarto às pressas. Lembrou-se do que aprendera com o pai. “ Se você cortar o rabo da lagartixa, nasce outro no lugar”. Pensara na lagartixa sem rabo, correndo suspendendo as patas traseiras como o cachorro amarelo machucado que bandeava pelas redondezas da casa onde viveu com sua mãe. Sorriu, olhando para a lagartixa assustada. “Papai, olha o bicho! Papai, vamos brincar?” Deitou-se sobre a cama, olhando<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>o teto, logo a lagartixa escondeu-se. Ouvia a algazarra na rua. Distante, um caminhão passava. O barulho dos freios a ar chamou-lhe a atenção. O menino imitava-o com os lábios. As mãozinhas seguravam um volante imaginário. E então voltou a adormecer.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Passava do meio-dia quando o menino acordou. Ágil, pulou da cama rumando-se para a porta da sala que dava acesso à rua, mas estava trancada por dentro e a chave sequer lhe passava pela cabeça onde poderia estar. Então foi para a cozinha onde uma porta franqueava-lhe o quintal lamacento; mas estava fechado com uma tramela pesada, encaixada em alças de ferro fixadas à parede. Olhou pelas frestas da porta a imensidão do quintal. Após a chuva, o sol forte trazia vida ao quintal. Passarinhos pousavam para beber água e banhar-se nas poças que logo secariam. Borboletas amarelas passavam unidas a outras num vai e vem aleatório. Retornou ao quarto passando pela caixa de leite que derrubara na noite anterior. O líquido vazara da caixa e escorrera para debaixo do sofá onde o menino se deitava para ver televisão. Nem percebeu o cheiro azedo que o leite coalhado exalava. Aproximou-se do pai convidando-o para sair.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">- Papai, vamos brincar lá fora! Parou a chuva.”</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Fitou os olhos semicerrados do pai, a boca entreaberta e silenciosa. Do nariz e ouvidos vazavam rubro e espesso os sinais da morte. O menino continuava a tagarelar, ansioso para que o pai levantasse abrupto e, fazendo-lhe cócegas, dissesse: </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">- Bum! Te peguei, vamos brincar lá fora! Cadê a bola de meia. Pega a bola de meia, fio, vamo jogá!</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">- Papai, eu vi um monte de borboleta lá fora! Vamo pegá borboleta, papai? Eu gosto mais de ficar aqui com você. Na casa da mãe não pode brincá! Papai, acorda. Papai?! – chamou pela última vez, arfando. Deitou-se ao lado do pai, cruzou os bracinhos. Olhava o teto, a trama de madeira irregular, o telhado de zinco, uma lata e outra fazendo a vez de telha atendendo ao reparo. O calor forte fez o menino transpirar. Ficou ao lado do pai distraindo-se com a trama do telhado. Sentiu sede, mas não pediu ao pai – sabia que não adiantaria – o pai estava muito cansado, precisava dormir. Levantou-se, pulou por sobre o corpo do pai e caiu ao chão. Dirigiu-se devagar para a cozinha. E então um cheiro azedo o incomodou. Arrastou uma cadeira até a pia da cozinha. Subiu sobre a mesa. E como vira o pai fazer outras vezes, encostando a boca na torneira virou a borboleta sobre ela fazendo com que água pura e fresca saísse. Bebeu grandes e rápidos goles na tentativa de acompanhar a vazão da água. Prendeu a respiração a ponto dos olhos lacrimejarem. E então, não podendo mais, sem fôlego e barriga cheia, livrou-se da torneira e respirou exacerbado. Um fedor repugnante o fez enojar-se. Sobre a pia, restos da marmita do pai eram atacados por larvas brancas, aos montes, que dançavam enroscando entre si, como no prato de macarrão que sua mãe costumava, nos domingos, obrigá-lo a comer quando só queria era correr por um campinho improvisado no meio da rua, atrás de uma bola encardida confeccionada com meias velhas. Sentiu imediata repulsa. Desceu da cadeira lentamente e dirigiu-se ao quarto onde o pai estava.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>No caminho, passou pela sala, e o fedor azedo coalhado impregnou-se com a fétida marmita, fazendo com que o menino tivesse dificuldade para respirar sem provocar-lhe ânsia de vômito; mesmo porque, no quarto a podridão já atraía enormes pássaros negros que pousavam sobre a casa.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Permaneceu deitado ao lado do pai. Sentiu-se fraco. Há muito não comia. Fez força para não mexer qualquer parte de seu corpo, não tinha vontade e uma força estranha o impedia de mover-se. Os olhos abertos continuavam observando a trama do telhado. E ouvia a algazarra que os grandes pássaros faziam sobre a casa. Não era mais a chuva, nem os meninos correndo atrás de bola que lhe chamava a atenção.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A medida que o tempo passava, mais dificuldade sentia em respirar. Tocou a pele fria do pai e por um momento segurou seu antebraço – rijo e gélido. Os olhos, aos poucos, foram anuveandos. Lágrimas escorriam pelas bochechas pálidas. O ar faltava-lhe nas narinas. O diafragma não mais conseguia baixar permitindo que o oxigênio ganhasse os pulmões. Ouvia a gritaria das gralhas, a ranhura sobre o telhado cinza. Os olhos turvos. A boca seca não permitia dirigir-se ao pai. Nem tinha vontade. Fechou os olhos à medida que o ar ficava mais rarefeito. As gralhas alvoroçavam lá fora. Asas batendo em verdadeiro reboliço. Ouviu uma mulher chamar à porta. Lembrou-se da avó. Mas em meio às lembranças e a balburdia sobre a casa, não mais sabia o que era real e o que era fantasia. O menino fechou os olhos e sequer os abriram quando ouviu um homem gritando, dizendo que iria estourar a porta. E por muitos anos recordava o momento do estrondo que a velha porta de madeira e latas fez ao cair, do choro da avó, igualmente estrondoso, debruçada sobre seu pai e das luzes mágicas que rodeavam sua casa quando nos braços de um homem o levaram para fora.</span></div><div align="right" class="MsoNormal" style="line-height: 200%; margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: right; text-indent: 4cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif"; font-size: 12pt; line-height: 200%;">Pira, 23/01/2010.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><br />
</div>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-26534241372692056942011-06-16T12:59:00.000-07:002011-06-16T13:00:42.257-07:00O HOMEM DA COBRA<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";"></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";"></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">Maria estendia na sacada do sobrado os três colchões mijados de seus filhos. Um galo preguiçoso anunciava tarde o novo dia posto que o sol já queimava o coco dos poucos transeuntes que andavam pela vila. O apito do trem avisava os passageiros de sua aproximação. Ouvia-se o barulho das portas de aço da mercearia que eram elevadas com estrondo. Crianças eram arrastadas por suas mães até o grupo escolar. Senhorinhas, com passos calmos e despreocupados, compravam pães quentes para seus maridos na padaria do Odel, o libanês. Um velho Ford corcel, puxando pelo rabicho uma grande caixa metálica, encostou à beira do meio fio. Todas as luzes refletiam na caixa cegando os curiosos. De longe, um cavalo arredio, retrocedeu três passos quase tombando a charrete. A matilha que cortejava uma cadela no cio se desfez com a chegada luminosa do carro velho e enferrujado. João celeiro olhou desconfiado o rapazola que conduzia o veículo assim que suspendeu a porta metálica da selaria e topou com aquele troço à sua porta. Genésio enchia o carrinho de picolés para mais tarde servir no grupo quando a roda daquela caixa passou lambendo seus calcanhares. Quando virou, foi um susto. Tião, dono da papelaria, gritou para o fundo da casa o nome da mulher. Nena, vem vê uma coisa! E com ela os dois casais de filhos, em escadinha, apareceram à porta do bazar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O rapazola com o pequeno cavanhaque desceu do corcel, soltou duas grandes fivelas que abraçavam a grande caixa metálica e abriu o tampo. Lúcio, que trazia uma promissória na mão e uma caneta na orelha, deteve-se diante da caixa. Saíra decidido do armazém a cobrar a cártula. Mas o homem com a enorme caixa metálica o impediu. Parou abrupto o passo. Cruzou os braços e mordeu o dedo indicador atravessado na boca. Elza vinha com passos firmes e rápidos esquecida do destino. Caixa de isopor a tiracolo, ela trazia a injeção de insulina diária que aplicava em Onofre, o dono do bar. Perguntou ao Lúcio o que era aquilo que logo respondeu tratar-se de magia. O Joaquim açougueiro largou a chaira e a faca afiada e atravessou a avenida com o jaleco respingado de sangue. Um grupo de estudantes ficou pelo caminho, mochilas presas às costas. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">O estrondo que a enorme tampa metálica fez ao cair, fez Elvira largar a roupa no tanque e correr para a porta da venda, onde seu pai sentando à porta exibia as pernas sendo comidas pelo fogo selvagem, apoiadas em outra cadeira. O que houve, pai? – perguntou Elvira saindo à porta, secando as mãos no avental, no momento em que João, seu irmão, exibindo dentes de ouro no sorriso, trazia a informação. O homem traz uma cobra enorme na caixa. Julinho cortava a avenida em passos rápidos e cegos que conduzia, ziguezagueando, à porta do Firmino português, a tirar-lhe satisfações por conta de uma briga em que seus filhos tiveram no grupo escolar no dia anterior, e que seu filho acabou levando a pior. Floriano deixara pela metade a barba de Waldemar Rolinha ao saírem, curiosos, assim que o rapazola botou a boca no trombone. Com um amplificador de som convidava toda a comunidade para conhecer aquela revolução da medicina, o elixir da juventude, a cura para todos os males, o fim de todas as dores. E limpando a garganta, sonoramente anunciava: o óleo do olho do peixe do Telêmaco. E mostrava um vidrinho onde aquela porção mágica trazia todas as soluções para qualquer problema.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Se você está velho e as cadeiras não mais te agüentam! O óleo do olho do peixe é a solução. Basta besuntar o óleo pelas ancas e a dor sairá esquecendo-se de você para sempre. E não é só. Seu filho ainda mija na cama. Basta esfregar o óleo do olho do peixe no pipi de seu filho. E eu dou minha mão à palmatória que nunca mais fará xixi na cama.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">Ricardo que assistia a tudo, olhos miúdos vidrados na enguia, cochichou a seu irmão.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Vamos pedir dinheiro ao pai, assim vocês param de mijar na cama – e atravessaram a rua correndo, quase pisando sobre a cadela Rebeca, deitada à porta do açougue. Ao retornarem, dinheiro enrolado na mão, foi logo pedindo um frasco. Telêmaco, aproveitando a oportunidade da venda foi logo dizendo:</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Este menino nunca mais vai mijar na cama!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">Um garoto que estava observando tudo sentado no selim da bicicleta perguntou com maldade:</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- É para você, Zé? Parar de mijar? – e apontou os colchões expostos na sacada do sobrado, secando ao sol.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Não! – respondeu sem graça Ricardo –É meu pai, tá com dor nos ombros – e correu para dentro de casa feliz com o emplasto. E desta vez a cadela o acompanhou.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">E Telêmaco anunciava os benefícios do óleo do olho do peixe.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">-Se você sofre de reumatismo – e apontava o dedo a um senhor, vestido com chapéu branco, que observava quieto todo aquele falatório – basta passar o óleo no lugar da dor e esfregar. Nunca mais sofrerá de reumatismo. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">De repente o rapazola se dirigia ao Paulinho, filho do Onofre, o dono do bar, que chegava à tertúlia com passos lentos e ofegantes pela banha que se alojava em seu abdômen e agora escorria para os membros. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Se você comeu alguma coisa que não lhe caiu bem? Bastam três gotas do óleo do olho do peixe em meio copo d`água e a azia é tirada com a mão.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">E as notas iam passando de mão em mão até chegarem às mãos de Telêmaco que de imediato remetia um vidrinho milagroso, que de mão em mão, retornava a quem enviava o dinheiro. E o remédio curava tudo e a todos.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Se você é vesgo. Tem um olho no gato e outro no peixe. Basta friccionar o óleo do olho do peixe que seus olhos entrarão em órbita. E você, meu amigo, que já não consegue mais dar no coro. Que não acha mais sua senhora atraente. Basta esfregar três vezes ao dia o óleo do olho do peixe nas genitálias que você não vai poder nem olhar perna de mesa.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">O povo foi parando por ali. Lúcio esqueceu no bolso a promissória que iria cobrar, com uma caneta equilibrada sobre a orelha. Quando deu por si, o devedor havia se mudado com mala e cuia da vila. E embora especulasse entre a freguesia, ninguém sabia do paradeiro dele, pois ninguém o tinha visto jogar a mudança sobre o caminhãozinho e arredar pé dali.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">O libanês planejava ir num pé e voltar no outro. Ver o que se passava ali. Mas distraiu-se e quando se deu conta, tinha comprado três vidrinhos com o remédio que o moço jurara faria sumir todo aquele gás que lhe estufava o bucho e não havia peido e arroto que o aliviasse. E de retorno à padaria encontrou a fornada do meio dia queimada e Lia, sua mulher, esperando-lhe à porta dizendo-lhe palavrões que só eles entendiam.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">Genésio vendeu ali mesmo todo o sorvete que colocara no carrinho, a ajudar espantar o calor que o sol do meio dia trazia à aldeia. E também, com o lucro das vendas, comprou o vidrinho ao saber de seu poderoso efeito cicatrizador. A roda da carroça que trazia aquela grande caixa metálica cortou-lhe os calcanhares ao passar de raspão.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">Uma das filhas de Onofre veio às pressas lembrar Elza da insulina que devia aplicar em seu pai, pois o homem já caíra tremendo ao chão, enrolando a língua, numa crise que o vidrinho foi capaz de afastar. Antes que chegasse com a caixa de isopor trazendo a seringa boiando na água do gelo derretido, Onofre de joelhos já partilhava os bens e confessara a paternidade de outros seis filhos com outras três mulheres. E só não foi morto naquela ocasião porque mais uma vez Elza o salvara jogando o resto da água fria sobre Jandira, apartando-a do marido como se apartavam os gatos brigando.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">E Telêmaco, para finalizar as vendas, ganhando a confiança de quem ainda não comprara o óleo do olho do peixe, denunciou aos quatro ventos o grande segredo do poder reparatório daquele elixir.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Esta cobra, não é uma cobra comum! Ela foi encontrada por meu avô num manancial ao pé de um vulcão adormecido – e arrematou arregalando os olhos e fazendo proeminente o queixo quadrado, com a barbicha – Este peixe é elétrico! Se seu rádio não funciona porque a pilha acabou, este peixe põe a tocar o seu rádio. Se a bateria de seu automóvel arriou, basta uma ligação direta com o peixe elétrico. Toda esta energia é que traz os poderes curativos deste remédio, que agora todos os senhores podem usar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- O senhor, venha cá! Já viu um peixe assim?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Isso é uma cobra!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>- Não! É um peixe! E o senhor já pôs a mão em um peixe assim?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Não! Claro que não!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Pois então, experimente!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">E ao abaixar, aproximando-se da água onde a enguia assustada nadava de um lado ao outro, foi interrompido rapidamente.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O braço puxado para cima.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Espere um pouco – disse o moço coçando a barbicha – O senhor não sofre do coração?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Não, não sofro!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Pois então o senhor mesmo é o responsável se algum mal lhe acontecer com a forte descarga elétrica que sofrer. E todos aqui é testemunha.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O homem baixou a mão vagarosamente até a água quando, ao tocar na água, uma leve descarga elétrica e o chicotear do peixe o fez recolher a mão espirrando água em alguns dos presentes.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Deixe prá lá, antes que você se machuque, vou fazer um experimento! - e segurando dois bastões de aço conectados a um fio, que por sua vez estava ligado a uma lâmpada, baixou os bastões para dentro da caixa e imediatamente a lâmpada se acendeu.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">O povo ficou assombrado. Não disse que era magia! Ouviu-se num sussurro que foi seguido de manifestações de repulsa e admiração.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Deus me livre – disse Nena benzendo-se com um terço na mão.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">_ Nossa, o rapaz é mágico!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Incrível!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">- Vai arder no inferno!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">Mas no geral, Telêmaco conseguiu vender mais alguns frascos ao mencionar que o poderoso elixir fazia crescer cabelo, matava verruga, sarava conjuntivite. Então colheu logo o dinheiro que chegava voando de mão em mão por sobre as cabeças dos curiosos, socou as notas de qualquer jeito nos bolsos da calça e agora já enchia os da camisa. Bateu a tampa de aço com o mesmo estrondo que fez ao abri-la. Passou um grosso cadeado para que ninguém roubasse seu peixe.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">O povo ainda ao redor. E como ninguém mais compraria já que todos traziam na mão, no bolso da calça ou na sacola o vidrinho com o óleo do olho do peixe, Telêmaco entrou e deu a partida no Corcel. Tentou umas três vezes antes que pegasse. E então arrastou para outra cidade a caixa metálica. Aos poucos, a reunião se desfez. Os colchões dos filhos de Maria continuaram expostos ao sol na sacada do sobrado. Paulinho sofreu da constante azia tão logo tomou meio litro de refrigerante e comeu quatro pastéis no desjejum.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Sua mãe havia perdoado seu pai e com isso ganhou mais irmãos. Lúcio emoldurou em um quadro a nota promissória não resgatada. Julinho perdoou a surra que seu filho levou. E nem mesmo chegou a tirar satisfações com o pai do agressor, o português Firmino. Joaquim voltou para o toco a preparar os cortes de carnes, mesmo com as dores insuportáveis que sentia nos ombros. E logo pela manhã seguinte João colocou seu pai sentado na cadeira em frente à venda, as pernas esticadas apoiadas em outra cadeira. E as feridas, agora mais abertas, fritando ao sol.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Segoe UI Light", "sans-serif"; mso-bidi-font-family: "Courier New";">Piracicaba/SP, 10 de maio de 2010.</span></div><div style="text-align: justify;"></div>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2116506922484820063.post-5140086031606304712011-06-15T11:46:00.000-07:002011-06-15T11:46:56.745-07:00GOMAS AÇUCARADAS<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";"></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">A cadela estava prenhe. Dormia sob a marquise de um banco. Algumas pessoas da vizinhança traziam alimento para a cachorra. Um pote de margarina com água, grãos de ração pelo chão. Alguém trouxe caixa de papelão e cobertor que serviam de leito. Passava o tempo todo deitada, os mamilos inchando de leite.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">O gerente do banco não se conformou com a cachorra deitada à porta. Atrapalhava os clientes, podia morder alguém, prejudicar sua carreira. Enxotou a cadela, que saiu da caixa assustada. Tombou o pote de margarina, mandou varrer os grãos de ração.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">A cadela zanzou de um lado para o outro. Ficou arisca com gente. Encontrou, nas proximidades, um bueiro aberto. Entrou. Na madrugada, a bolsa rompeu. Trabalhou até o sol despontar lambendo a cria. Cinco cães condenados à miséria.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">Mas um homem viu os dois olhos brilhantes do outro lado da rua, espiando-o pelo rasgo da guia. O que era aquilo? Um bicho?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">- Não, uma cadela com seus filhotinhos!<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>- diz o frentista apoiando na bomba de combustível.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">O homem ficou maravilhado. Veja só o instinto materno. Fez do bueiro seu lar. Alardeou a vizinhança. Logo, uma pequena multidão se formou próximo ao bueiro. Trouxeram ração para a cachorra. E no costumeiro pote de margarina, puseram água. Mas a cadela não arredou pé dali. Estava assustada. E quanto mais gente se aproximava, mais se enfiava pelo interior da galeria.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">Alguém avisou a imprensa. Repórteres com caneta e bloco em punho tomavam depoimentos. Logo era o prefeito que chegava no local. Carro oficial e comitiva.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">- Assim que soubemos, acionamos a defesa civil.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">Uma sirene rasgou a cidade. Giroflex ligado. A aglomeração aumenta. Os homens do corpo de bombeiros dispersam os curiosos. A defesa civil demarca o limite com faixas amarelas. Membros das sociedades protetoras dos animais dão entrevistas. Questionam o que vão fazer com o animal. Disputam entre si a intenção de adotar a cadela. Sugerem nomes ao bicho.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">Os bombeiros tentam laçar a cadela com um enforcador. Em vão. Mandam comprar carne em algum açougue da vizinhança para atrair a cadela para fora. Um açougueiro doou um pedaço de carne. Por conta do barulho, a cachorra resiste em sair. O prefeito manda quebrar a guia da calçada, escancarar o bueiro: melhor salvar uma vida. Não houve necessidade. No fim da tarde, cansada e faminta, a cadela resolve sair para engolir um pedaço de carne crua, quase cozida no asfalto quente. Pôs o corpo para fora, o bombeiro arisco, a laçou. O público ovacionou aquela tarde heróica de trabalho. Nem perceberam o outro bombeiro que mergulhado com o tronco para dentro do bueiro, retirava com segurança os filhotes da cachorra. Agora não havia mais risco de mordidas.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">As autoridades presentes se cumprimentaram. Algum morador do bairro trouxe uma caixa com travesseiros dentro para servir provisoriamente de ninho á cadela e seus filhotes. Um veterinário se ofereceu para examinar os animais. Subiram sobre o resgate do corpo de bombeiros. As autoridades tomaram seus carros. Com sirenes ligadas e piscas alertas acionadas, saíram em carreata, sob aplausos do povo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">Pegaram a rua em sentido ao centro. Na esquina, sentada ao chão, uma mulher negra estendia a mão aos transeuntes. Oferecia gomas açucaradas. Um pote de margarina vazia colhia algumas moedas. No peito murcho, uma criança se aninhava. Os olhos assustados miraram a algazarra, sem entender, enquanto com força, sugava o pouco leite que restava.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><span style="font-family: "Times New Roman", "serif";">Pira, 21 de setembro de 2010.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-indent: 3cm;"><br />
</div>Henrique Borlinahttp://www.blogger.com/profile/02506233453737306677noreply@blogger.com0